Acredito que um dos elementos que mais se sobressaem no processo de captação dos sons do Tororó para o Mapa Sonoro de Cachoeira é a existência do “silêncio” no bairro, o que diverge bastante do que está instaurado no imaginário coletivo construído acerca do eixo Cachoeira – São Félix quando se pensa a paisagem sonora do local. Toda a composição sonora de Cachoeira e São Félix como os automóveis concentrados no centro, os sons da feira livre, os transeuntes, as rádios, as caixas de som e os animais ditos domésticos começam a se dissipar conforme a caminhada se estende do Caquende e da Fasceira em direção ao Tororó, dando espaço aos sons que fogem da natureza antropológica. Dificilmente, por exemplo, se escuta o som do “paredão”, as músicas são um pouco mais contidas. O som das pessoas que caminham na rua nem sempre está presente. Mas o vento que bate nas folhas e nos bambuzais é fundamental para a paisagem sonora do bairro. Em uma palavra, o Tororó é quietude, tanto é que durante o processo de captação surge a busca pelo que captar se não o vento (risos).
Pensando a subjetividade de cada um dos áudios, enquanto grupo, conseguimos desenvolver uma boa dinâmica de busca por sons pertencentes ao espaço que nos propomos a escutar e gravar concomitantemente através de uma escuta aguçada sem o atravessamento de muitos outros sons. Isso possibilitou chegar a conclusões e identificar frequências com muito mais facilidade, como foi o caso de perceber a existência de um catavento no alto de uma ladeira e escutar ao longe os sons de um galinheiro. Além disso, me recordo que um dos áudios captados se refere a uma caminhada realizada em uma ladeira que se assemelhava mais a composição sonora Cachoeirana – São Felixta supracitada. Nessa ladeira foi possível escutar pessoas caminhando, conversas, cachorros, músicas distintas, crianças brincando na rua e instrumentos musicais, uma orquestra Cachoeirana.
Além dessa subjetividade sonora, foi muito rica também a interação com as pessoas, como Dona Paula, responsável pelo Recanto do Ponciano, que nos acolheu com muita hospitalidade, generosidade e afeto. Nesse espaço, conseguimos uma riqueza sonora de diálogos, áudios que acredito que não entrarão no trabalho final prezando a identidade das pessoas que estavam no local e não conseguimos contato para permitir o uso “a posteriori”.
Agora, pensando nos áudios encaminhados do trabalho individual, segui quase a mesma linha de raciocínio do trabalho de construir o mapa da caminhada sonora. Um dos meus áudios foi gravado na minha antiga casa, em que eu morava sozinho e a gravação reconhece esse local ao demonstrar sons do processo de se fazer um almoço e se entender que ali há uma única
pessoa realizando todos os processos. Já o outro áudio reflete muito mais a energia de um lar partilhado nesse novo local de moradia em que se escuta a interação de pessoas e o som de alguém que não eu.
Pensando a parte técnica das captações individuais, me frustrei um pouco em relação ao áudio do almoço porque ele precisou ser gravado no meu celular e o meu aparelho não é o mais potente possível quando se pensa gravador de som, mas mesmo assim cheguei em um local que, de certa forma, me agradou em uma perspectiva de “áudio caseiro”, que reforça bastante a minha proposta inicial.
Assim, eu diria que construir esse trabalho de percepção sonora na perspectiva de parar de ouvir e começar a escutar os sons presentes no mundo o qual transitamos cotidianamente é a maior lição dessa disciplina e poder exercitar esse local de escuta de uma forma tão potente foi muito bonito, todo o processo envolto nesse momento chegou em mim de uma forma muito bonita e eu tenho refletido bastante a respeito da maneira que escuto o mundo a partir desses exercícios e, além disso, estou integralizando a caminhada sonora na minha vida e pretendo levar esse costume religiosamente.
Outonno Selva
(grupo Tororó)
Outubro, 2022