Gabriel de Sousa Santos

Individual / dia

O áudio doméstico intitulado “Lição #1” foi gravado na manhã de uma segunda-feira, na rua 20 de dezembro, na cidade de São Félix. O áudio é uma mistura polifônica, ou melhor, nele ouvimos o som dos pássaros aqui da rua e das árvores; uma música que toca bem baixinha chamada “Sargaço Mar”, do disco Lição #2: Dorival Caymmi, da banda Quartabê; além de sons de preparação do café da manhã: água na chaleira, fogão sendo acendido, barulho marcante do papel alumínio que embrulha o melão, movimentos bruscos dos pratos, água caindo na pia entre outros. Por ora tentei compor, por exemplo, um mosaico de relações entre o som dos pássaros, a música tocada e os sons corriqueiros na cozinha de uma casa, esse singela tentativa de criação me pareceu muito instigante.

Individual / noite

Já o áudio doméstico intitulado “Lição #2” foi gravado de noitinha na janela de casa. O céu tardou um pouco para escurecer. O dia foi de sol radiante. No início, espiei pela janela as casas iluminadas da cidadezinha de Cachoeira que se passava diante de mim e me concentrei no som da cidade. Em São Félix, entrecruzam-se vários sons: o som da cidade de Cachoeira que se propaga pelo rio, misturados aos diversos sons da cidade: vozes de transeuntes, carros, motos, por vezes, o chacoalhar da ponte entre outros. Na janela, ouvi o lento suspiro do rio, além da música longínqua, o latido de um cão vagamente entrevisto. Até que, por fim, o sutil farfalhar do vento.

Equipe

O áudio gravado em equipe foi tranquilo. Marcamos no comecinho da orla de São Félix os nossos dois encontros. Passamos três horas captando o som ao redor dali (dia e noite). A caminhada sonora foi fluida, desenhamos um breve percurso e saímos, fizemos poucas pausas. Tivemos um excelente momento de gravação. No início, pela manhã, captamos o som na orla, numa academia ao ar livre. Logo em seguida captamos embaixo da ponte, lá o som expande em altura e largura. Seguimos para uma praça tranquila e para o cemitério. A última pracinha estava apinhada de crianças. Perguntei para uma criança o que estava acontecendo. “É a festa da primavera da escola sonho da criança”, disse com voz doce. Pareciam personagens de quadrinhos.

Ali, nessa pequena praça, fomos imantados por sonoridades díspares: música, risadas, conversas, passos, momentos festivos das crianças. Contudo, tive a impressão que a cidade de São Félix no período da manhã é um pouco mais introspectiva. A ambiência sonora da cidade parece meio distraída, exceto o som da ponte e o festejo das crianças.

Gabriel de Sousa Santos

(grupo Ponte e São Félix)

Outubro, 2022