Sobre a experiência de captar os sons de Cachoeira – equipe Curiachito
As citações a seguir são referentes a experiência adquirida pelos integrantes da equipe do Curiachito (Quintino Bocaiuva) durante a elaboração do Mapa Sonoro de Cachoeira.
“A cidade de Cachoeira, no interior baiano, oferece centenas de surpresas. O que vemos e ouvimos em Cachoeira são coisas das mais interessantes. Não importa se estamos na rua 25 de Junho – onde podemos ouvir os sons musicais e das conversas de todos na rua onde estão os barzinhos da cidade – ou no silencioso bairro do Curiachito, onde moro, cada local na cidade possui suas singularidades. Sons para se ouvir e pensar, ou apenas para ouvir. O som, ou o “silencio”, contagiam o ser humano de forma brilhante. O som, acima de tudo, diz muito sobre a personalidade de quem o ouve ou o emite. Ouvir o que se fala ou se faz, permitir-se o silêncio para que outras pessoas possam se expressar é algo belo e um exercício importante para os ouvidos e a mente humanas. Sem dúvidas, a experiência de captar o som durante o semestre auxilia na compreensão da importância do som na vida humana e mostra como a cidade de Cachoeira está disposta a nos presentear com as mais diversas possibilidades sonoras.” Rafael Beck
“Captar o som de Cachoeira após muitos anos morando aqui e só dando ‘atenção’ as coisas que meus olhos captavam e registravam foi muito impressionante, era uma sensação nova e diferente, ter o som preenchendo os ouvidos e sendo o sentido mais forte e mais impactante que a própria visão foi algo bem contagiante.
Foi engraçado captar o áudio do Curiachito, por ser a rua em que vivi e vivo, eu acreditava que seria meio chato captar e ouvir os sons pelo fato de já ser algo do convívio levando a mesmice, mas aconteceu o contrário, me surpreendia a cada captação. A noite era um dos horários que eu achava ser o mais silencioso da rua, mas não, esse é o horário em que mais passa carro, e pessoas conversando, sem falar das televisões ligadas e crianças brincando pelas calçadas. Deu pra repara que o horário que captamos é o horário mais movimentado da noite, onde os sons produzidos pelas famílias mesmo dentro de suas casas se expandem e se misturam aos sons produzidos na rua.” Matheus Állan Maia
“A experiência de captação de som como atividade prática da disciplina de Oficinas Orientadas I, teve uma temática interessante – construir o mapa sonoro de Cachoeira – nos proporcionando um conhecimento que vai além do técnico.
Quando passamos pelas ruas, quando muitas vezes essas ruas são nossa rotina diária, construímos uma memória visual, do tipo “nessa rua tem um bar, tem um salão de beleza, um mercadinho…” Mas pouco desenvolvemos da nossa memória auditiva. Tivemos a oportunidade através dessa atividade da disciplina de prestar atenção de verdade. Em grupo, conhecemos melhor o lugar onde moramos, mais do que ver, ouvimos. Escutamos as pessoas e o som que faz parte daquele ambiente.” Bruna Maria
“Minha experiência com a disciplina de som e a captação de áudio durante este semestre foi bem produtiva para mim e acredito que para toda a turma, pois estamos concluindo o mapa sonoro da cidade de Cachoeira, experimentando os sons de vários locais da cidade, de diversas horas do dia, indo do centro da cidade até a zona rural. Além da construção do mapa sonoro, também aprendemos a utilizar os equipamentos disponibilizados para nós, como os gravadores de áudio e equipamentos utilizados na produção do curta metragem.
Em especial, gostei mais da captação de áudio em que trabalhei no curta metragem interdisciplinar, desde as reuniões com a equipe de som e a captação em set de filmagem. As reuniões com equipe de som e professora para discutirmos o som que seria colocado no filme, a escolha dos equipamentos que seriam utilizados, as orientações de como utilizar o equipamento, a experiência que obtive em set foi ótima, exercendo todas as funções na equipe de som, operando vara de boom, gravador, fazendo boletim de som, até porque a equipe contava com 4 pessoas, então ficamos revezando as funções em set, enfim, a experiência de captação foi engrandecedora, realmente tive a certeza de que é uma área do cinema em qual quero aprofundar mais os estudos.” Juvenal Souza
Sobre a experiência de captar os sons de Cachoeira
A cidade de Cachoeira, no interior baiano, oferece centenas de surpresas. O que vemos e ouvimos em Cachoeira são coisas das mais interessantes. Não importa se estamos na rua 25 de Junho – onde podemos ouvir os sons musicais e das conversas de todos na rua onde estão os barzinhos da cidade – ou no silencioso bairro do Curiachito, onde moro, cada local na cidade possui suas singularidades. Sons para se ouvir e pensar, ou apenas para ouvir.
Após gravar o áudio na Igreja de São Cosme e Damião, caminhava sem direção pela rua Conselheiro Virgílio Damásio, muito próxima ao rio. Com o headphone nos ouvidos, tentava prestar atenção em todos os sons possíveis: conversas, televisões, rádios, risadas, panelas a chiar nos fogões. Passei por um arco velho de concreto e imaginei as mais diversas histórias sobre ele. Os sons mudavam, intensificavam-se, renovavam-se. Passei por uma família que me cumprimentou, acenei a cabeça e segui em frente. Uma mulher, entretanto, gritou: “Menino, volte”. Achei que não era comigo e segui meu caminho. “Garoto”, disse ela correndo atrás de mim, “aí não é lugar bom pra filmar a essa hora. Volta logo.” Sem pestanejar, agradeci e segui os conselhos da moça. Na rua seguinte, que subi depois de perguntar a mesma mulher se lá era seguro, foi onde captei o segundo som do dia 25 de março. Quando terminei a captação, a garotinha curiosa que me acompanhou durante um bom tempo havia sumido. Levantei-me, cumprimentei os moradores que me fitavam e deixei o local. Todos foram simpáticos e pareciam curiosos e prontos para me ajudar e respeitar meu trabalho se eu precisasse. Durante as semanas que se seguiram, passei a prestar mais atenção nos sons que me rodeiam na cidade de Cachoeira: no meu caminho para a Universidade, enquanto estou deitado na rede em meu quarto, enquanto limpo a varanda, enquanto faço a feira nos dias de quarta-feira. É muito curioso o que se fala, a entonação, as mudanças de vozes e tudo o que podemos expressar pela forma como se fala. Também é curioso ouvir os pobres pássaros a cantar nas gaiolas, as aparelhagens de um pequeno salão de beleza, o som das peças dos dominós, as músicas ouvidas por meus vizinhos.
Nas semanas que se seguiram, abusamos da paciência dos moradores do bairro onde moro e ensaiamos algumas cenas do curta que estamos filmando este semestre. Para acostumar os atores, ainda inexperientes, “conferia” som e câmera e pedia “silêncio no set”. Aqueles que ouviam o “pedido” de silêncio, prontamente se solidarizavam e tentavam fazer o menor barulho possível. Alguns adultos até pediam que as crianças se calassem. No dia seguinte, vi duas duplas imitarem a cena de suas determinadas formas, com suas entonações e expressões muito próprias daquele roteiro que nunca leram. No nosso primeiro dia de filmagem, outra surpresa: pedimos aos moradores próximos ao local onde filmamos (uma afastada beira do rio Paraguaçu), que colaborassem com silêncio e que se aproxegassem para assistir as gravações. Para a minha surpresa, não demorou muito e os moradores da casa mais próxima (que tinha fundos com uma cerca que dava direto para o local onde filmávamos) pararam seus afazeres, pegaram cadeiras e silenciosamente sentaram próximos a nós. Meninos que queriam jogar futebol no local fizeram o mesmo. Silenciosos todos se sentaram, silenciosos permaneceram durante cerca de três horas de filmagens.
O som, ou o silêncio, nesse contexto, contagia o ser humano de forma brilhante. O som, acima de tudo, diz muito sobre a personalidade de quem o ouve ou o emite. Ouvir o que se fala ou se faz, permitir-se o silêncio para que outras pessoas possam se expressar é algo belo e um exercício importante para os ouvidos e a mente humanas. Sem dúvidas, as experiências de captar o som durante o semestre e de trabalhar o silêncio da equipe e de moradores locais para que o elenco e o set estejam o mais concentrados possível é algo a se refletir, levar e aprimorar durante a vida pessoal e profissional.
por Rafael Beck – <r_a_beck29@hotmail.com>
(integrante da equipe de captação do bairro Curiachito)